As democracias podem se organizar de diversas maneiras. Nenhuma delas, no entanto, prescinde de partidos políticos. Uma democracia sem partidos, ou com partidos que são meros simulacros, decai forçosamente para o poder pessoal ou para a anarquia.
Sempre que a conquista do poder se dá pelo voto dos eleitores, esta escolha tem que ser mediada por partidos, cuja função vai desde recrutar e selecionar as lideranças até prover as estruturas e os recursos necessários à competição eleitoral e, posteriormente, fornecer os quadros para a administração e o apoio parlamentar para a aprovação das políticas do governo.
Onde os partidos existem, mas não têm representatividade, nem são capazes de exercer as funções organizativas que lhes são próprias, as eleições tornam-se uma competição entre personalidades em que tudo pode acontecer.
O governo pessoal que daí decorre não tem como conviver com as regras democráticas da divisão e separação dos poderes. A consequência inevitável é o esvaziamento do poder ou o conflito institucional permanente.
Em nosso sistema representativo o poder emana do povo, mas o povo realmente não governa. O único poder de fato do povo é aceitar ou recusar os homens que se apresentam para governar em seu nome. Não há como ser diferente, pois governar um Estado moderno é uma tarefa que exige conhecimentos e informações que estão muito além das habilidades cognitivas do ser humano, qualquer que seja sua formação educacional, como notou há um século o americano Walter Lippmann.
Antes do regime militar o sistema partidário brasileiro estava evoluindo de modo bastante funcional, com três partidos dominantes e representativos de sua base social. Um dos primeiros atos do regime foi extinguir por decreto esses partidos. Para acabar com a democracia era preciso primeiro acabar com os partidos democráticos.
A Constituição de 88 pretendeu reformar o país, mas significativamente preservou o sistema partidário e a legislação eleitoral originária do regime de exceção, decretando, sem que o desejasse, uma existência instável para a democracia brasileira.
De 1988 para cá as coisas só pioraram. Os partidos se multiplicaram para desfrutar dos recursos públicos da Fundo Partidário, que só em 2020 se elevaram para mais de R$800 milhões, acrescidos de mais R$2 bilhões do Fundo Eleitoral, administrados pelas direções partidárias. A maioria dos partidos se converteu em negócio privado, controlado por um pequeno grupo de pessoas, sem qualquer função política representativa.
Hoje, 23 partidos estão presentes no Congresso Nacional. A maioria não significa absolutamente nada e não representa ninguém. Não existe para defender idéias e muito menos para competir pelo poder, mas simplesmente para desfrutar os benefícios do governo conquistado por outro.
Esse conjunto de partidos fictícios reúne praticamente a maioria parlamentar, o que torna as relações do Parlamento com o Poder Executivo uma relação de interesses que não são públicos. Não há mais que se falar de política como causa, mas de política como negócio.
Se a maioria dos partidos já não significava nada, agora no episódio das eleições para as mesas da Câmara e do Senado até mesmo os partidos mais representativos abandonaram de vez o resto de alma que ainda tinham. Reuniram-se num grande caudal indistinto para negociar com o governo os benefícios do poder, deixando de lado qualquer escrúpulo político ou ideológico.
Formou-se uma grande maioria, não para reformar as leis do país e favorecer o crescimento e a justiça, mas para se assegurar dos recursos financeiros e políticos do governo para o fim de se reeleger. Apenas para enfrentar o próximo governo, qualquer que seja ele, com o mesmo apetite e a mesma indiferença política.
Para nosso infortúnio este sistema só pode ser mudado pelo voto dos próprios partidos que se beneficiam dele. Se algum milagre, hoje fora dos nossos horizontes, não ocorrer, em 2023 o Presidente pode ser outro, mas a política parlamentar será sempre a mesma. Coitado do Brasil!
Roberto Brant escreve no Capital Político. Foi deputado federal constituinte por Minas Gerais, secretário de Fazenda no governo Hélio Garcia em Minas, ministro da Previdência e Assistência Social do governo de Fernando Henrique Cardoso. Preside atualmente o Instituto CNA. Escreve nos jornais Correio Braziliense e Estado de Minas. ⠀⠀⠀⠀