Todo mundo já viu aquele vídeo da campanha de Jair Bolsonaro em que o general Augusto Heleno, com certa desafinação e substituindo a palavra “ladrão”, canta a marchinha: “se gritar pega Centrão/Não fica um meu irmão..”. Já no governo, o general e outros militares externaram desagrado com a barganha parlamentar. Mas as águas rolaram e o próprio comandante em chefe das Forças Armadas mudou de discurso e foi se aproximando do inimigo. Com a colaboração de outro general, Luiz Eduardo Ramos, na articulação política, jogou recentemente todo o peso de seu governo para ajudar a instalar os dirigentes do Centrão no comando do Congresso.
Jair Bolsonaro terá lá seus motivos – e evitar o impeachment e proteger os filhos estão entre os principais deles. Mas Bolsonaro mudar de ideia e dizer o que não disse, com a maior cara de pau, não é novidade nenhuma. Entre contradições, lorotas, invencionices e brincadeiras grosseiras quase diárias, já se completaram mais de dois anos. A pergunta que não quer calar agora é: e os militares? Também mudaram de ideia sobre o Centrão? Refizeram conceitos sobre corrupção, chantagem, etc?
Alguns, sobretudo os que têm gabinete no Planalto, parecem ter mudado seus pontos de vista. Ramos, que articulou com Arthur Lira o tempo todo, e Braga Netto, que da Casa Civil usou a caneta sempre que necessário, com certeza mudaram. Heleno, que entrou mudo e saiu calado das eleições no Legislativo, também pode ter se dobrado às novas companhias. Não se sabe bem, porém, o que pessoal da ativa e os integrantes do Alto Comando estão pensando do festival de fisiologismo que marca a transição para essa nova era do governo Bolsonaro.
Aí que está. Mesmo entre os militares palacianos começa a se espalhar um clima de mal estar em relação à avidez do Centrão rumo aos ministérios e cargos e, sobretudo, à aparente receptividade com que o presidente da República os prometeu. Se for cumprido tudo o que foi acertado com Arthur Lira, Rodrigo Pacheco e seus eleitores, não restará pedra sobre pedra em fatia considerável da administração federal – que, ora que coincidência!, está hoje nas mãos dos militares.
O ambiente está tenso. Teme-se que ministros fardados – como o almirante Bento Albuquerque, das Minas e Energia, por exemplo – sejam demitidos para dar lugar a políticos indicados pelo Centrão. Segundo as más línguas, o bloco está de olho – ingratidão suprema – até no cargo do próprio Ramos no Planalto. A Casa Civil do general Braga Netto, com sua coleção de canetas para nomear, é também um sonho de consumo do pessoal – que, por sinal, atribui aos generais do entorno presidencial notícias de que a reforma ministerial seria feita “a conta-gotas”, no ritmo das votações dos projetos governistas.
Pode ser que sim, pode ser que não. A certeza é que a coisa vai ficar feia quando começarem a ser desalojados os seis mil militares hoje ocupantes de cargos civis de confiança, os DAS, no segundo e terceiro escalões. E também os que estão nas cobiçadas diretorias de estatais. Aliás, talvez a única convergência atual entre ala militar e Centrão seja o desejo de empurrar com a barriga o programa de privatizações de Paulo Guedes. Ninguém quer vender a galinha dos ovos de ouro.
No resto, o que se avizinha a partir de agora é uma briga de foice no governo, baseada numa lei simples da Física. Assim como dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço, um militar e um indicado do Centrão não podem ocupar o mesmo cargo.
Helena Chagas é jornalista