De acordo com o desembargador Alexandre Victor de Carvalho, o tráfico privilegiado, previsto no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas, tem gerado intensos debates nos tribunais brasileiros, especialmente no que diz respeito à sua natureza jurídica e à possibilidade de concessão de benefícios penais. Neste caso, o desembargador apresentou voto técnico e garantista, defendendo a aplicação do privilégio com regime inicial aberto e a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.
Embora vencido no julgamento, o voto do desembargador representa uma importante contribuição para a construção de uma jurisprudência mais humana e coerente com os princípios constitucionais, sobretudo com a individualização da pena. Entenda mais a seguir:
Tráfico privilegiado e o entendimento do desembargador em relação a substituição de pena
Desde a criação da Lei nº 11.343/2006, o § 4º do art. 33 passou a prever uma causa de diminuição de pena para agentes primários, de bons antecedentes, não envolvidos com organizações criminosas. No caso julgado, o desembargador entendeu que todos os requisitos legais estavam preenchidos, o que tornava obrigatória a aplicação do benefício. Ele fixou a redução máxima da pena, de dois terços, reduzindo a sanção para um ano e oito meses de reclusão, além de 166 dias-multa à razão mínima.

O desembargador Alexandre Victor de Carvalho argumentou que o tráfico privilegiado não pode ser equiparado a crime hediondo, assim como o homicídio privilegiado também não o é. Para sustentar sua posição, citou doutrina especializada e o entendimento jurisprudencial de que a hediondez deve se restringir às figuras típicas do caput e do § 1º do art. 33 da Lei de Drogas. Com isso, afastou a obrigatoriedade de regime inicial fechado, fixando o cumprimento da pena em regime aberto.
Substituição da pena e o princípio da individualização
Um dos pontos mais relevantes do voto do desembargador Alexandre Victor de Carvalho foi o reconhecimento da possibilidade de substituir a pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos, mesmo diante da vedação literal contida no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006. Para ele, essa vedação é inconstitucional, pois fere o princípio da individualização da pena, previsto no art. 5º, XLVI, da Constituição Federal.
Segundo o desembargador, a aplicação genérica da proibição compromete o equilíbrio do sistema penal, ao impedir que o juiz analise as circunstâncias pessoais do condenado. No caso concreto, diante da primariedade, dos bons antecedentes e da ausência de periculosidade do réu, a substituição da pena por prestação de serviços comunitários e prestação pecuniária era medida mais justa e proporcional.
Divergência entre os julgadores e os limites da interpretação penal
A decisão da 5ª Câmara Criminal, no entanto, foi tomada com base no voto médio da desembargadora presente. Ela reconheceu o privilégio e reduziu a pena, mas entendeu que a substituição da pena privativa de liberdade não era possível, em respeito ao texto da lei. Em vez disso, concedeu o sursis, ou seja, a suspensão condicional da pena. Já o outro desembargador, por sua vez, foi mais rigoroso: apesar de admitir o privilégio, manteve o entendimento de que o crime continuava sendo hediondo.
Essa divergência expõe o campo de tensão entre diferentes interpretações jurídicas acerca da mesma norma. Enquanto o desembargador Alexandre Victor de Carvalho adota uma leitura constitucional e material da pena, seus colegas adotam posturas mais estritas, ancoradas na literalidade da legislação. A posição do relator vencido, contudo, se destaca por buscar compatibilizar a política criminal com os princípios do Estado Democrático de Direito, em especial a dignidade da pessoa humana e a função ressocializadora da pena.
Em resumo, o voto proferido pelo desembargador Alexandre Victor de Carvalho no processo de apelação criminal nº 1.0471.07.083554-4/001 é um marco de sensibilidade e rigor técnico no tratamento jurídico do tráfico privilegiado. Ao reconhecer que esse tipo penal não se enquadra como crime hediondo e ao defender a substituição da pena por medidas alternativas, ele reafirma o compromisso com um Direito Penal mais racional, proporcional e alinhado com os valores constitucionais.
Autor: James Smith